segunda-feira, 29 de abril de 2013

Por tras da letra: Ronda

Faleceu na noite do domingo 28/04/13, às 23:35 o compositor e zoólogo Paulo Vanzolini.
Em homenagem a ele, transcrevo a história da sua maior composição: Ronda.
Paulo Emílio Vanzolini era diretor do Museu de Zoologia da USP e uma das maiores autoridades em herptologia do mundo. Pra quem não sabe, como eu não sabia até ontem, herptologia é a área da biologia destinada ao estudo de cobras e lagartos.

Talvez, por isso, ao se dedicar a compor nas rodas da boemia, Paulo Vanzolini destilou seu veneno em pérolas da música popular brasileira. Se a maior parte de seu repertório, assim como seus estudos em herptologia, é desconhecida do grande público, Ronda e Volta por Cima encontram-se entre as canções mais executadas do Brasil, rendendo alguns níqueis ao compositor, que, com o dinheiro recebido dos direitos autorais dessas canções, montou uma das maiores bibliotecas da América Latina na área de répteis e anfíbios.


Apesar do sucesso, o compositor não se cansa de soltar cobras e lagartos sobre Ronda, sua música mais famosa. Considera a canção “piegas”, uma “bobagem que fez aos 21 anos", quando estava no Exército e fazia ronda no baixo meretrício:

“A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chope ali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).”

Claro que o dinheiro referente aos direitos autorais de Ronda não vem das grandes gravadoras, nem, tampouco, das rádios comerciais, mas dos pedidos feitos em guardanapos molhados de lágrimas nos botecos, em que o título da canção é, muitas vezes, confundido com o da moto japonesa: “Toca Honda”, pedem os boêmios de cotovelos doloridos.

O compositor se diverte com o feito: “Claro que eu recebo o dinheiro que entra de bom coração. (...) Japonesa fica com dor de corno e vai ao karaokê cantar Ronda”.

Ronda foi feita em 1945, mas foi gravada, somente, em 1953. Segundo Vanzolini, Inezita Barroso, muito amiga de sua mulher, foi para o Rio de Janeiro gravar A Moda da Pinga. A gravação seria num sábado à tarde e o casal foi junto para fazer companhia. Chegando lá, perguntaram a Inezita que música seria gravada no lado B do disco. O verso de A Moda da Pinga deve ter-lhe subido à cabeça: “A marvada pinga é que me atrapaia...”. Tremenda dor de cabeça. Àquela altura do campeonato, em pleno sábado, Inezita podia ser, como é, ainda hoje, conhecedora de um vasto repertório, mas onde conseguiria a autorização do autor? Foi por isso que gravou Ronda. E, de acordo com o autor, ainda errou a letra na gravação.

Para ela, a história não foi bem assim:

“Eu fui pro Rio gravar A Moda da Pinga. Gostaram muito, e 'do outro lado o quê?' O Paulo Vanzolini estava comigo no Rio, tinha ido fazer um trabalho de zoologia, nós éramos muito amigos e ele foi pro estúdio comigo. Aí ele olhou assim meio pedindo e eu falei: 'Tá bom, do outro lado vai Ronda, do Paulo Vanzolini'. Aí me perguntaram: 'O que é isso?' Falei: 'É um samba paulista'. Pra que eu falei isso. 'Samba paulista, São Paulo não tem samba'. Aí o Canhoto, que era o dono do regional que acompanhava, disse: 'Canta aí pra eu ouvir'. Aí eu cantei Ronda e foi aquele sucesso."

A diferença entre o AUTOR e o DETENTOR de direito autoral

Texto escrito pelo cantor e compositor Leoni, em seu blog "Diário de Bordo".

Onde estão os autores? Boa parte das confusões em relação ao Direito Autoral vem do desconhecimento de que o autor não é o único que recebe direitos autorais. Muita gente diz que fala em nome do autor quando está falando em nome de diversos outros detentores de direito autoral como editoras e gravadoras. Boa parte das pessoas do meio musical não sabe que pessoas jurídicas também podem receber esses direitos. Basta uma olhada na lista dos maiores arrecadadores do ECAD de 2012 para comprovar. Entre os 20 primeiros apenas 3 são compositores. Entre os 10 primeiros, nenhum.

A distribuição dos direitos

Outro ponto profundamente desconhecido pela classe é a percentagem que cada um desses detentores de direitos autorais recebe do montante total.

Distribuição indireta

Na distribuição indireta dos direitos de execução – que significa todas as receitas de execução pública excluindo shows – temos um panorama médio em que os compositores ficam com, aproximadamente, 37,5% do total antes dos impostos. Essa percentagem varia dependendo do autor ter a sua própria editora ou não. Como a maioria não tem, estou usando uma taxa padrão de 25% da parte do autor para editoras.

1.Sistema ECAD

A primeira fatia do bolo fica para o ECAD, 17% do total como taxa de administração, e para as Sociedades, que retêm de 7,5% a 8%. No total o sistema de gestão coletiva morde ¼ do dinheiro dos compositores. É um dos mais caros do mundo. Quando o CADE condenou o sistema afirmou que devia ser no mínimo 20% mais barato.

2.Autoral

Dos 75% restantes, 50% vão para a parte autoral e 25% para os direitos conexos - que explico no próximo tópico. Nessa rubrica autoral os “parceiros” dos compositores são as Editoras. Mais um quarto do montante – há editoras que cobram ainda mais! - dos compositores é subtraída, restando os 37,5% aproximados que citei anteriormente.

3.Direitos conexos

O quarto restante vai para pagamento de intérpretes, produtores fonográficos – que quer dizer gravadoras ou selos -, músicos, arranjadores etc.

Distribuição Direta - Shows

Na distribuição direta não há pagamento de conexos já que o intérprete e os músicos estão recebendo cachê e gravadoras não têm porque receber pois não há fonograma envolvido já que a canção está sendo executada ao vivo.

Com isso os únicos “parceiros” dos compositores são o sistema ECAD/Sociedades e as Editoras. Nesse caso os autores ficam com 56,25% antes dos impostos.

A importância do conceito

Sem compreendermos que detentores de direito autoral não são necessariamente os autores podemos nos enganar com o discurso de quem, visando os interesses de grandes corporações, vista o simpático disfarce de defensor dos autores. Os autores não têm nenhuma entidade que os represente, não há ninguém que fale em seu nome. Atualmente é cada um por si – e um bocado de gente contra todos. Para nos unirmos e termos uma voz precisamos de informação e debate. Por enquanto, qualquer grupo, empresa ou escritório que diga estar falando em nome dos autores está usurpando nossa palavra.

Quem deveria ser mais importante no Direito Autoral?

Atualmente as editoras multinacionais têm muito mais poder que os compositores, já que todas as decisões nas Assembléias do ECAD e das Sociedades são tomadas em função da arrecadação. Se quem arrecada mais manda mais, cria-se um sistema blindado e antidemocrático no qual quem ganha muito não quer mudar nada, quem ganha pouco não tem como mudar nada. Então, repetindo Caetano Veloso em seu texto sobre o ECAD: "Não é ‘Se mexer, desaba’; é ‘Se não pode mexer, não anda’.”

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O Bêbado e a Equilibrista - História

Um dos maiores clássicos da parceria João Bosco & Aldir Blanc é “O Bêbado e a Equilibrista”. Mais do que um clássico, essa música foi um hino. Um hino do Brasil na época da ditadura e da anistia. “Com ela, a música popular soube encarnar como absoluta perfeição o momento histórico”, já disse Geraldo Carneiro. “Em uma certa hora aquela música cai na mão da Elis Regina e ela se apaixona. Quando ela grava está completamente possuída por aquela música, já não nos pertence”, já disse João Bosco. E no palco do Theatro Municipal, é o próprio João Bosco quem cantará.

Lançada em 1978, a música tem forte teor político. Mas surgiu, na verdade, como um desejo de João Bosco homenagear Charles Chaplin. Chaplin tinha morrido no Natal de 1977. “Estava em Minas, naquelas festividades de Natal e Ano Novo, e as pessoas entrando já no clima carnavalesco. Comecei a querer fazer no violão algo que ligasse o Chaplin àquele momento musical brasileiro, carnavalesco”, disse João numa entrevista. “Todos sentiram muito porque ele divertiu muito e de maneira incomum. Tratando os temas eminentemente humanos e se posicionando dentro desses temas a favor dos miseráveis, do vagabundo. Mas com uma alegria, algo invejável, e no final dos filmes havia sempre um horizonte onde você podia chegar a pensar em um dia viver em um mundo diferente. Não tão desfavorecido como este”, explicou. “Mas ele fazia de uma maneira muito bonita. Eu ligava muito o Chaplin ao sorriso, tem uma música que ele compôs, Smile, que eu acho belíssima, ele também tinha uma inspiração musical. Comecei a querer fazer no violão algo que ligasse o Chaplin àquele momento musical brasileiro, carnavalesco, desenvolvendo uma linha a partir do sorriso dele, a partir de Smile. Se você pegar a linha de “O Bêbado e a Equilibrista” vai dar no 'Smile'".

A letra é cheia de referências, a começar ao próprio Charles Chaplin. "Caía a tarde feito um viaduto.. E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos...", diz a letra. O viaduto, no caso, era o Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, que desabou em 1971 deixando 29 mortos. O momento político do Brasil é lembrado várias vezes, em metáforas ou em menções como “Choram Marias e Clarisses” . As Marias e Clarices eram as viúvas dos presos políticos, representadas na letra pela Maria, mulher de Manuel Fiel Filho, e pela Clarisse, de Vladimir Herzog: os dois morreram nos porões do DOI-CODI.

É um “Brasil que sonha... com a volta do irmão do Henfil”, o sociólogo Herbert de Souza - Betinho – que estava exilado. "O que é bacana nessa música é que ela não nasceu ligada ao tema", disse Aldir Blanc. "Casualmente, encontrei o Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. O papo com o Chico e o Henfil me deu um estalo. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados".

A canção foi um sucesso arrebatador. "A música foi cantada pela primeira vez, pela Elis, num programa em São Paulo. No dia seguinte, estava estourando em todo o Brasil e ainda nem tinha sido gravada", disse Aldir.

'O Bêbado e a Equilibrista' também revela as relações de amizade de João e Aldir - que, próximos de Henfil, se aproximaram mais de Elis. “Meu primeiro disco gravado, que eu dividi um lado com o Tom Jobim, foi uma idéia do Pasquim, com produção do Sérgio Ricardo. Então, como o Aldir também colaborava com o jornal, nós freqüentávamos a redação e era comum estarmos com Henfil, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr... Depois, estreitei mais ainda as relações com o Henfil em função da aproximação dele com a Elis Regina, que era uma grande intérprete das nossas canções. E isso tudo gerou “O Bêbado e a Equilibrista”. É uma canção que celebra toda essa amizade: a minha, do Aldir, da Elis e do Henfil, com o Brasil", conclui Bosco.