quarta-feira, 24 de julho de 2013

Nova Elite Caipira

Vale a pena ler. 
Texto: Marcia Buriti. 

No título do famoso filme Tropa de elite (José Padilha, 2007), o termo elite referia-se ao grupo de policiais especialmente treinados para operações muito complicadas. A “elite” que era a tropa tinha um significado de especialização, superioridade, hierarquia, entendidas tecnicamente. Na contramão, quem utiliza o termo em outros contextos refere-se, em geral, a: “donos do poder”, “classe dominante”, “oligarquia”, “dominação política”, “dominação econômica”, “classe dirigente”, “minoria privilegiada”, “formação de opinião”, “dirigente cultural”. “Elite” é termo usado para designar as vantagens petrificadas de “ricos” e “poderosos” que comandam massas, as maiorias anódinas que, não tendo poder, parecem não ter escolha quanto a deixar-se conduzir. 


Usado em oposição a povo, à democracia, à simplicidade das gentes, à cultura popular, o termo é usado para designar grupos econômica, cultural e politicamente dominantes. Seu uso atual, no entanto, erra o alvo em relação à cultura, desde que vivemos uma curiosa inversão cultural. 

 

Morfina estética 


Há dois tipos de caipira. Um que era o oposto da elite, como o simpático Jeca Tatu, e outro, que é a própria nova elite, o cantor da dupla sertaneja que, depois de um banho fashion, fica pronto para o ataque às massas, mesmo que seu estilo continue sendo o do chamado “jeca”. Refiro-me ao “caipira” ou “jeca” como figura genérica, mas poderia também falar da moça cantando seu axé music, seu funk, que, de repente, não é uma “artista do povo” como quer fazer parecer a indústria que a sustenta (e atormenta o povo como F. Bacon dizia que era preciso tormentar a natureza para receber dela o que interessava à ciência), mas é a rica e poderosa estrela – e objeto – da indústria cultural.

Sem arriscar um julgamento quanto à qualidade estética dos produtos do mercado, é possível, no entanto, questionar sua qualidade cultural e política. Muitos defendem que “é disso que o povo gosta”, enquanto outros dirão que o povo experimenta uma baixa valorização de si ao aceitar o que lhe trazem os ricos e poderosos sem que condições de escolha livre tenham sido dadas, o que surgiria de uma educação consistente – e inexistente em nosso contexto. A injeção diária de morfina estética que o povo recebe não permite saber se o “gosto” é autóctone ou externamente produzido.

De qualquer modo, no mundo da nova elite, a regra é a adulação das massas. Qualquer denúncia ou manifestação de desgosto em relação ao que se oferece a elas é sumariamente constrangida.

Mais curioso é a inversão culturalmente curiosa que está em cena. No lugar das extintas “elites culturais”, sobem ao podium as novas estrelas que permutam o antigo poder do artista e do intelectual pelo poder do jeca para quem a arte não é problema. Se o intelectual é melhor ou pior do que o jeca não é a nossa questão. Questão é desvendar o seguinte: num quadro em que professores recebem um torturante salário de fome, em que intelectuais sérios precisam pedir desculpas por existir, em que escritores permanecem perplexos sem saber se sobreviverão em um país de analfabetos, em que artistas-não-jecas recebem pareceres humilhantes de agências e ministérios, enquanto todos estes são questionados quanto a seu papel social e sua contribuição para a sociedade como se fossem um estorvo, ninguém pergunta sobre o papel cultural da elite caipira: Xuxas e Sangalos, Claudias Leittes e Luans Santanas, Micheis Telós – para citar exemplos – são livres para exercitar um autoritarismo sutil, covarde e sedutor na condução das massas à imbecilização planetária. Politicamente correto é elogiar a imbecilização como se ela não estivesse em cena impedindo a reflexão. O autor da crítica à nova elite sempre pode ser xingado de “elitista”, afinal, a elite jeca não tem outro argumento senão o disfarce.

marciatiburi@revistacult.com.br

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Abraços do Luiz França.